Passeio
- Fabrício Nunes / Ímpar
- 10 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
Fabrício Nunes (texto)
Ímpar (imagem)

“Imagina, amiga, meu prédio tem tanta história estranha, um vez diz que uma mulher colocou o filho no elevador, criança pequena, sei lá, uns seis, sete anos, para a tia pegar ela lá embaixo. Mulher normal, marido, filho, essas coisas, nome normal, imagina aí, que se chamasse Mariana, Mari, e a irmã Beatriz; mas enfim, acho que era isso: foi lá a criança, sei lá o nome, digamos o Pedrinho, pronto: a Mari botou o Pedrinho no elevador, a Bia esperando lá embaixo, e nada do Pedrinho chegar, chegou um elevador vazio; sim, tem dois elevadores, e a Bia pensou, deve estar vindo pelo outro, aí chegou outro vazio também, e então a Bia pediu pra Vanice, a porteira, toca lá na Mari, cadê o Pedrinho que não desce? E a Vanice, a Mari tá dizendo que botou ele no elevador faz cinco minutos, e a Bia, mas ele não desceu, onde foi parar esse menino? E daí já desceu a Mari apavorada, a Bia foi subindo pelas escadas para olhar de andar em andar, vai que o menino aprontou de descer sozinho em algum andar qualquer, talvez no quinto que era do Maurício da Sandra, amigo dele, essa criançada aprende a andar de elevador sozinha, sabe como é. E imagina, amiga, a Vanice daí já tocando o interfone na Sandra, e nada de Pedrinho; e a Bia subindo de andar em andar, a Mari desesperada lá embaixo sem saber o que fazer, e não, na época não tinha celular, então a Mari nem sabia onde estava a Bia direito a essa altura, e daí decidiu subir lá no andar dela para vir descendo pela escada e olhar de andar em andar também, a Vanice enquanto isso tocando nos apês das crianças que brincavam com o guri, das mães que eram amigas da Mari ou conhecidas, ou quem fosse que estivesse em casa, pois como assim some criança pequena do nada? E ninguém sabia de nada, e diz que a Mari veio descendo lá do vigésimo primeiro que era o andar dela e a Bia subindo enquanto isso e elas se encontraram lá pelo décimo terceiro e as duas chorando, cadê o Pedrinho, cadê o Pedrinho, e vamos ter que tocar na casa de todo mundo do prédio, foi que foi aquele desespero todo.”
“E aí imagina, amiga, o que é que você faria? Isso mesmo, não teve jeito, elas foram de porta em porta, em tudo que é apê, lá do vigésimo até o primeiro, foi a Mari tocando campainha, batendo na porta, e a Bia desceu e pediu para a Vanice interfonar para todo mundo; e foi a manhã inteira e nada do Pedrinho aparecer, e já antes do meio-dia chamaram a polícia, mas adiantou? Nada, tocaram eles também em todos os apartamentos, claro, eles não podem ir entrando assim, mas foi um tal de virar o prédio inteiro de cabeça pra baixo, a Bia desesperada, a Mari, nem fale, imagine só, e as mães do prédio todas morrendo de pena, umas já peio apavoradas, vai que é com o filho delas? E aí, amiga, foram três dias, TRÊS DIAS INTEIROS o guri sumido, e então na manhã do terceiro dia, a Vanice lá na portaria, abre a porta do elevador, e sai o Pedrinho, como se nada, vivinho e tranquilo, perguntando cadê a tia? E desce a Mari, e vem a Bia junto que ficou na irmã desde o sumiço, e pegam o guri pra ver se tava vivo mesmo, e onde é que você tava, Pedrinho?
“E o Pedrinho diz que tava com uns “tios”, que tios eram esses? Uns tios que me levaram pra passear, passear lá em cima. Que lá em cima, Pedrinho? Ah, lá em cima, tipo eu vi os prédios de cima, ficou todo mundo pequenininho lá embaixo. Daí a gente foi pra um lado, e foi pra outro, a gente viu as casas, eu via os telhados, as ruas... Mas Pedrinho, quanto tempo foi isso, perguntaram. E o Pedrinho, ah, foi um tempo, nem demorou nada. Tia, por quê a mãe tá chorando? E fizeram alguma coisa com você, Pedrinho, quem eram esses tios? Nada, tia, só me levaram passear, eram uns tios que eu não conhecia. E como eram esses tios, eram adultos? Ah, não sei tia, não dava pra ver a cara deles, eles eram um pouco maiores que eu, eles só me pegaram pela mão e me levaram. Amiga, imagina só. O guri não me sumiu de dentro do elevador? DE DENTRO DO ELEVADOR, por três dias, e pra ele foi como se tivesse passado sei lá, uma meia hora, uma hora e meia no máximo. Imagina, amiga, como é que a gente pega elevador depois de uma história dessas?”
E a amiga responde:
- Guria. Eu conheço essa história. Quando eu era psicóloga e clinicava, a irmã desse menino foi minha paciente. É tudo verdade.
E cada vez que você aperta o botão do elevador, é tudo verdade.
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