top of page
Buscar
  • Foto do escritorO Baile

A próxima novela das nove

Lena Japiassu (texto)

Ana Bellenzier (imagem)



Nasceram unidas, unha, carne, costela, dois corações e duas cabeças idênticas. Enquanto uma dormia, a outra acordada pensava em planos para se desmembrar. As lindas e loiras irmãs siamesas jamais se toleraram.

No espelho, a moça à esquerda encarava a face gêmea com ódio recolhido, desejando-lhe a morte. Como seria bom ter o corpo tão belo só para si. A outra tinha pensamentos semelhantes e tramava um jeito de se desvencilhar.

Quando nervosas se estapeavam ou puxavam os cabelos uma da outra e se acalmavam apenas quando a mãe, em tristeza e desgosto profundos, injetava no braço comum um sonífero nas filhas. O que seria de suas meninas, quando se fosse para sempre.

Ainda jovens, os quatros olhos das duas garotas se apaixonaram pelo mesmo rapaz. O homem de sensibilidade ímpar conseguia agradar a personalidade forte das duas irmãs. Aurora e Aurélia se apaixonaram perdidamente, e sentiram um ciúme maligno e dilacerante num mesmo peito.

Rômulo, além de bom homem, belo e abastado, propôs uma solução. O sonho da separação poderia agora se tornar realidade, com uma cirurgia que daria a cada uma a metade do corpo que lhes cabia.

Aurora e Aurélia não mais dormiam, pensando na hora em que não mais precisariam dividir a própria cama e a atenção de seu grande amor. Como era doce o seu namorado, pensava Aurora, certa de que Rômulo a preferia. Como eram quentes os seus beijos, pensava Aurélia, segura de que logo se casariam.

Chegara a hora da operação. Seria em um país estrangeiro, e Rômulo não poderia acompanhá-las. A mãe rogava por uma conciliação entre as irmãs, temendo que a separação dos órgãos não garantisse a sobrevivência de nenhuma das duas. Aurora e Aurélia continuavam brigando antes mesmo da intervenção, para saber com quem ficariam as partes mais belas do corpo perfeito.

Ambas receberam flores, com palavras quentes e apaixonadas de Rômulo.

Em todos os jornais o único assunto fora a cirurgia, e depois o sucesso do desmembramento. Passaram-se meses de tratamento. Aurora e Aurélia tornaram-se duas mulheres perfeitas, e qual foi a surpresa ao se encontrarem pela primeira vez frente a frente. Abraçaram-se com amor e ternura, como sentissem falta de suas metades.

Ao voltar para o país, os dois corações agora palpitavam em dobro de emoção. Rômulo, acompanhado de Remo, foram receber as irmãs no aeroporto. As duas olharam encantadas o amigo de Rômulo. Remo parecia competir com os tantos atributos do companheiro, tão charmoso e atraente quanto. Ali estava o final feliz, dois belos rapazes para duas lindas moças!

Mas a vida tem seus mistérios. Rômulo não trazia flores, Remo tampouco mostrava-se expressivo.

De mãos dadas as irmãs se preparavam cúmplices pelo que perceberam não ser boa notícia. Os rapazes estavam também de mãos dadas, mas não eram irmãos. Rômulo tinha se apaixonado.


34 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Olho

Yawo’ti.

O fantasma

bottom of page